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requentemente, me refiro, nesta coluna, ao desempenho linguístico das personagens que aparecem na TV.

Às vezes, são populares, agricultores que enfrentam a seca ou as enchentes. Suas falas são muitas vezes representativas da gramática dos menos escolarizados. Outras vezes, são meninos dos morros. Suas falas um pouco (mas nem tanto) peculiares são postas entre aspas, especialmente pela Rede Globo.
Muitas vezes, no entanto, trata-se de falas de gente instruída, de jornalistas ou de seus entrevistados (quase sempre cheios de títulos), professores, embaixadores, juristas etc.
É nestas ocasiões que certas construções chamam mais a atenção. Não de todos, é claro. Só dos que não analisam a língua apenas pelas listinhas de sempre (disso também eu tenho falado muito).
Nos últimos dias, anotei três dados, que comento.
Da narração de um jogo de futebol, extraí uma construção cada vez mais comum: “O jogo tá saindo faísca”. Poderia comentar a forma “tá”, mas nem vale a pena, já que as formas “completas” deste verbo são mais raras que os cometas (ninguém mais diz “estava”, “estou”, “está”, mas “tava”, “tô”, “tá”; não sejamos hipócritas).
Quero comentar, brevemente, a construção “O jogo tá saindo faísca”. É uma estrutura na qual “o jogo” é o sujeito, como se fosse o “agente” de “sair faísca”. Uma gramática mais antiga diria, na melhor das hipóteses, que a construção deve ser “No jogo, está saindo faísca / está saindo faísca no jogo”. Ou seja, o que sai é a faísca (é o sujeito); o jogo é o lugar onde ou de onde ela sai. O locativo está na posição de sujeito; a preposição “em” caiu.
Este tipo de construção é cada vez mais comum: “o carro furou o pneu (o pneu do carro furou)”; “minha bolsa tem de tudo (tem / há de tudo na minha bolsa)” etc. É só ouvir (não sejamos hipócritas). Digo mais: é só nos ouvirmos…
Outra construção saiu da boca do Lobão, entrevistado na Band News: “Tá acontecendo crimes muito bárbaros”. De novo, não quero comentar a forma “tá”, e sim a concordância verbo / sujeito: os “professores” de TV ou de apostila dirão que Lobão deveria ter dito “(es)tão acontecendo”, que o verbo só pode ficar no singular se o sujeito posposto for composto.
Ora, isso é engolir uma análise gramatical equivocada. Falta-lhe um mínimo de generalização, de observação dos fatos. Frases como a de Lobão são cada vez mais comuns entre pessoas letradas, ou seja, (já) são formas cultas.
A última é de Jô Soares, entrevistando Gal Costa (que cantou maravilhosamente “Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem ‘sim’” etc.). “Então, vamo ouví aqui o Tim” (e Gal cantou uma estrofe imitando a voz grave peculiar de Tim Maia; logo ela!).
Pois este é um exemplo de fala que a rede Globo colocaria entre aspas, se o falante fosse um pobre (“vamo ouví”). A Globo erra duas vezes quando faz isso: quando coloca as aspas e quando pensa que seus profissionais não empregam formas como estas. É uma emissora surda.
Cito e comento esses casos, mas tiro deles a consequência contrária da que quase todos tiram: não é verdade que agora todo mundo erra; é que o português já é outro. Mudou entre os séculos II e XVI (para simplificar), continuou e continua mudando. Os que reclamam também são surdos, em geral: pensam que falam aquele português que dizem defender… De fato, mentem. Digamos, em seu favor, que o fazem piamente. Não por maldade, mas por ignorância, por falta de ouvido.
PS – acabo de ver na Folha de S. Paulo a seguinte declaração de Geraldo Alkmim, que comento na próxima coluna: “A corrupção, o paraíso é o judiciário”.