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FUGA DE CÉREBROS NA CONTRAMÃO

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1807201001.htm

FUGA DE CÉREBROS TEM VIA NA CONTRAMÃO

Fluxo de pesquisadores é maior de dentro para fora do Brasil, mas alguns optaram pela trajetória oposta

Fator afetivo mantém cientistas estrangeiros de vanguarda no país; eles criticam burocracia para trabalhar na área
RICARDO MIOTO DE SÃO PAULO

Após carreira de sucesso em um país com tradição acadêmica, um cientista se muda para o Brasil e se torna referência na sua área. Essa trajetória, que pode parecer incomum, é compartilhada por alguns pesquisadores.
Para saber o que trouxe alguns desses cientistas ao país -tradicional exportador de cérebros- a Folha conversou com quatro deles e ouviu suas impressões sobre a ciência nacional.
Se o escritor britânico G. K. Chesterton estava certo ao dizer que é impossível conhecer uma catedral observando-a apenas de dentro, eles estão em posição invejável para comparar a pesquisa brasileira com a estrangeira.
Todos se dizem realizados e otimistas por fazer parte de um período de desenvolvimento acelerado da ciência nacional. Entre os pontos negativos, destacam a burocracia excessiva no país e a falta de valorização do mérito, além do ensino básico ruim.
Não se sabe quantos são os cientistas de vanguarda estrangeiros no país. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) não tem estatística sobre a nacionalidade de seus pesquisadores, mas diz que o número é "irrisório".
O grupo ouvido pela Folha é heterogêneo -vai de um neurocientista argentino a um físico chinês. Em comum, a competência: todos são bolsistas de produtividade do CNPq, uma espécie de marca da elite acadêmica.
Leia abaixo e à direita as impressões de alguns deles.

"Excesso de cordialidade do brasileiro atrapalha a pesquisa"

DE SÃO PAULO

"Enquanto a Argentina está se perdendo nos últimos 35 anos, com uma decrepitude na sua classe média, educação e ciência, o Brasil evoluiu", diz o neurocientista argentino Martín Cammarota.
"Há 35 anos mal existia ciência brasileira. A argentina é muito mais antiga, tem cinco prêmios Nobel", diz, aos 41 anos e desde 2002 em Porto Alegre, hoje na PUCRS.
Apesar de muito otimista com a ciência brasileira, "que já é a melhor da América Latina", ele acredita que na Argentina se valoriza mais a universidade. "Muitos brasileiros ainda a encaram como uma fábrica de canudos."
Foi na Universidade de Buenos Aires, no doutorado, que conheceu uma gaúcha com quem se casou. Passaram cinco anos na Austrália e, na volta, com a Argentina sob instabilidade econômica, vieram para o Brasil.
"Quando vi, já tinha nascido nossa filha, ela já falava português, tomava chimarrão e torcia para o Inter." Na Copa, porém, ela usa uma camiseta da Argentina, diz ele.
Adaptado ao Brasil, ele pensa que o país já atingiu uma massa crítica de cientistas, e que é hora de selecionar os melhores.
"O Brasil tem um enorme complexo de inferioridade, e se colocou na cabeça que o país precisa de uma imensidade de doutores. Precisa é apoiar os que são bons."
"O problema é que o brasileiro evita o confronto, é muito diplomático, cordial. Há enorme dificuldade de falar para um aluno que ele não é bom o suficiente. O brasileiro diz "ah, por que não pensas um pouquinho? A ciência talvez não seja para ti. Não estou dizendo que você não serve! Serve, mas veja...'"
Outro problema é a pontualidade, diz. "Nesses anos, participei de 45 mil reuniões e nenhuma começou na hora. Aí falamos sobre a Copa, mulheres, Maradona, o tempo acaba e marcamos outra."
Ele só não gosta da pecha de argentino. "O que incomoda não é a propaganda da Skol. É a ideia de que, por você ser argentino, não entende os problemas do Brasil. Como se todos tivessem vindo com os portugueses." (RM)

"O país não gosta de premiar os melhores e penalizar os piores"

DE SÃO PAULO

Nathan Berkovits, 49, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp, acha que um clima de mais competição entre os pós-graduandos faria bem para o país.
"O aluno americano sabe que vai ter de ser o melhor para conseguir emprego. Há muita pressão sobre ele, mas ele valoriza o estudo, se esforça", diz. "Não que todos os alunos brasileiros sejam relaxados, os melhores daqui são iguais aos melhores de lá. Mas, na maioria dos casos, a atitude é diferente."
Segundo ele, a prática de "premiar os melhores e penalizar os piores", que no Brasil ganhou o apelido de meritocracia, faria bem ao país.
"Entre todos os professores das federais, os salários são iguais, as horas-aula iguais. Não há uma maneira para diferenciar um pesquisador bom de um ruim."
Mesmo prezando essa tradição americana -foi aluno em Harvard, e nas universidades da Califórnia e de Chicago- Berkovitz acabou deixando os EUA. Ainda em sua terra natal, casou-se com uma brasileira. Veio conhecer o país, gostou e ficou, mesmo depois de divorciado.
"Brasileiro trata estrangeiro até melhor do que trata o próprio brasileiro", diz. Isso talvez seja fruto de uma síndrome de inferioridade, apesar de ter impressão que isso está mudando, diz o físico, que chegou ao em 1994. Naturalizado desde 2002, não se considera mais americano.
"O brasileiro acha estranho um estrangeiro querer morar aqui. Mas é um lugar bom para morar se você não é pobre, apesar da violência."
O físico se incomoda com o frio de São Paulo. "As casas aqui são construídas para o calor. Nos EUA você não sente frio dentro de casa."
Há onze anos, se casou com outra brasileira. Não pensa, por enquanto, em voltar. "Aqui não existe tanta pressão para fazer o que todo mundo está fazendo. Além disso, algumas coisas melhoraram muito, como o CNPq."
Ele acha que o Brasil não sabe atrair bons cientistas de fora -processos de contratação em português ainda atrapalham numa área onde o inglês já é língua franca. (RM)

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